A sucessão de tragédias no Mediterrâneo envolvendo o naufrágio de embarcações clandestinas lotadas de imigrantes oriundos sobretudo da África acendeu o alerta vermelho das autoridades europeias que convocaram para amanhã, em Bruxelas, uma Cúpula extraordinária para discutir a questão da imigração
Ailton Sobrinho
A imigração
é a principal pauta das discussões da reunião que acontece nesta quinta-feira
(23), em Bruxelas, com os dirigentes dos 28 países-membros da União Europeia. O
objetivo é encontrar soluções imediatas e concretas para evitar que dramas,
como o ocorrido no último domingo (19) e que vêm se repetindo nos últimos anos,
voltem a acontecer. O foco principal das autoridades é o de combate às redes de
tráfico humano que se aproveitam da vulnerabilidade dos imigrantes – que
fugindo de situações de guerra e fome em seus países de origem – acabam sendo explorados e obrigados a
embarcarem em viagens arriscadas para a Europa sem nenhum tipo de segurança.
Segundo dados da Organização Internacional para
as Migrações, OIM, desde 2013, quando o governo italiano lançou a operação Mare
Nostrum – que foi posteriormente
substituída pela operação Triton, uma operação de vigilância das fronteiras com
um orçamento e atuação mais modestas –, mais de 190 mil imigrantes se
aventuraram em travessias perigosas pelo mar Mediterrâneo e desembarcaram na
Itália. O mesmo relatório aponta um outro dado bastante trágico que é o número
de pessoas que morreram tentando ganhar a costa italiana: mais de 4 mil e 700
mortos nos últimos dois anos, sendo 1,5 mil só em 2015. Diante desses números
alarmantes e pressionados por setores que defendem os direitos humanos, como a
Anistia Internacional, os dirigentes europeus não tiveram outra escolha senão
agir politicamente e a reunião desta quinta-feira é um sinal desta ação.
Imigração ilegal e
demandas de asilo
Na tentativa de combater o que parece ser
incombatível – ou pelo menos fora de controle –, visto que a imigração ilegal
registrou um crescimento recorde de 180% em 2014, de acordo com o último
relatório sobre imigração divulgado pela agência europeia de vigilância
Frontex, a Europa deve tentar rever a sua política de imigração e de asilo. No
contexto atual de crise econômica, o
governo europeu tem adotado medidas mais severas a fim de evitar ou dificultar
a entrada de imigrantes ilegais no continente. A criação do SIS, sistema de
informação Schengen, e do VIS, sistema de informação sobre os vistos, são
exemplos dessa política de controle migratório. Os dois sistemas, que
disponibilizam informações sobre os imigrantes que já tiveram o acesso negado
ao território e reagrupa dados pessoais dos requerentes de asilo por meio de um
visto biométrico, alimentam uma base de dados utilizada pelas autoridades de
imigração. Além desses sistemas, houve a criação do Eurosur, sistema europeu de
patrulha das fronteiras, em atividade desde o final de 2013, e da agência europeia de gestão operacional das fronteiras, Frontex.
O crescimento do número de entradas ilegais no continente,
apesar do reforço no controle das fronteiras, teve um impacto direto no aumento
do número de pedidos de asilo. Em 2014, os países da União receberam 625 mil
pedidos, um crescimento de 44%, frente aos 434 mil pedidos de asilo registrados
em 2013. Segundo a Eurostat, organismo de estatística da União europeia, a
Síria é o principal país de origem dos requerentes de asilo, consequência
direta da guerra civil no país. Já, na Europa, os países que mais receberam pedidos
de asilo foram a Alemanha (mais de duzentos mil pedidos em 2014), a Suécia, a
Itália e a França. Diante dessa demanda, os países da União devem debater,
também, a reforma da política de asilo e tentar chegar a um consenso sobre a
sua gestão e aplicação. O objetivo é desafogar países como Itália e Grécia, que
acolhem o maior número de imigrantes ilegais, e repartir o ônus e as
responsabilidades de acolhida dos imigrantes com os demais países-membros.
Estimativas da Frontex apontam que, no momento, há quase um milhão de pessoas
na Líbia esperando uma oportunidade para embarcarem em direção à Europa. Face a
essa realidade, o Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, antecipou que
não será fácil combater as raízes dos problemas ligados à imigração.
Política externa
As discussões do Conselho que acontece amanhã não
devem se restringir à política interna de imigração e de asilo na Europa. Os
dirigentes europeus devem debater a política externa, pois o aumento do fluxo
migratório no espaço Schengen é decorrente das instabilidades políticas e
econômicas de países terceiros. Atualmente, a maior parte das imigrações
ilegais acontece por via marítima, devido o aumento do controle das fronteiras
nas vias terrestres, e a principal rota migratória marítima se encontra no mar Mediterrâneo,
entre as costas da Líbia e da Itália.
A
posição geográfica favorável da Líbia, o caos instaurado no país desde a queda de
Muamar Kadafi, que
facilita o ingresso de milhares de imigrantes oriundos na maior parte da África Subsariana, da Eritreia, da Somália e da Síria, e a presença de redes de tráfico humano que
estariam agindo na região fazem da Líbia o principal centro das atenções dos
dirigentes europeus. Por enquanto, uma nova intervenção militar no país está
descartada. A intenção da Europa é apoiar as Nações Unidas no processo de
formação de um governo de unidade nacional na Líbia e, com isso, frear a cadeia
migratória e evitar novas tragédias como a ocorrida no último domingo, que vitimou aproximadamente 800 pessoas.
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